domingo, 8 de abril de 2007

Distância x Proximidade

Sim, de que estávamos falando agora mesmo? De Adalberto, o novelista, e que homem orgulhoso e firme ele é. "A primavera é a mais horrível estação do ano" disse ele, e foi para o café. Deve-se saber o que se quer, não é verdade? Veja, também a mim a primavera põe nervoso, também a mim a encantadora trivialidade dos anseios e sentimentos que ela desperta me põe confuso, só que não consigo repreendê-la e desprezá-la por isso, pois acontece que me envergonho dela, envergonho-me de sua pura naturalidade e de sua triunfante mocidade. Não sei se devo invejar Alberto ou menosprezá-lo, porque não entende nada disso... Trabalha-se mal na primavera, é certo, e por quê? Porque se sente. E porque é um ignorante aquele que acredita que o criador pode sentir. Todo o verdadeiro e sincero artista sorri da ingenuidade deste engano charlatão, melancólico, talvez, mas sorri. Pois aquilo que se diz nunca deve ser o essencial, mas tão somente o material, indiferente em princípio, de que se compõe a criação estética numa leve e serena superioridade. Se der demasiado valor aquilo que tem a dizer, se o seu coração bater com calor demasiado por isso, pode estar certa de um completo fiasco. Você torna-se sentimental, algo de pesado, de sério-desajeitado, sem ironia, desgovernado, sem têmpero, monótono, banal se forma sob suas mãos, e o fim é nada mais que indiferença por parte das pessoas, nada mais que desilusão e lamentação de sua parte... Pois, Lisavieta: O sentimento, o cálido e cordial sentimento é sempre banal e sem utilidade, artisticos são somente nossas irritações e os frios êxtases de nosso corrompido e artificioso sistema nervoso. É preciso que seja algo fora da humanidade ou desumano, que esteja para a humanidade numa relação estranhamente distante e indiferente, para ser-se capaz de interpretar ou mesmo sentir-se tentado a isso, interpretar para mostrar de efetivo e com gosto. O dom para o estilo, forma e expressão já pressupõe esta fria e descontente relação para com a humanidade. Pois o sentimento são e forte-isto está confirmado-não tem gosto. Morre o artista quando se torna homeme começa a sentir. Isto sabia Adalberto e por isso foi ao café, para a "esfera distante", sim senhora!

Tonio Kroeger
Thomas Mann


Bertold Bretch, que em seu livro Estudos sobre Teatro propôs o distanciamento do público para com as emoções dos atores, em prol da objetividade da mensagem. Konstantin Stanislavski (1863 – 1938), autor de cinco livros imprescindíveis para qualquer ator, “A Construção do Personagem”, “A Preparação do Ator”, “A Criação de um Papel”, “Manual do Ator” e “Minha Vida na Arte”, foi um dos grandes filósofos teatrais que, durante toda sua vida se dedicou ao teatro russo. Seguidor do gênero naturalista, Stanislavski tornou-se um ator de renome em seu pais, criando uma técnica primorosa sobre interpretação. Segundo Aristóteles, “a arte de imitar é uma prerrogativa do próprio homem”, sendo que o filósofo nunca esmiuçou o segredo de uma interpretação perfeita, de maneira que, na prática, essa elaboração sempre ficou a cargo dos diretores e dos intérpretes. À partir de Aristóteles surgiram grandes mestres que buscaram encontrar uma melhor forma de concepção de personagem, ou seja, como o ator deveria postar-se em cena, e como deveria fazer para encenar os textos de uma maneira coerente, sendo que, de todos esses grandes teóricos, Stanislavski, Brecht e Artaud são os mais conhecidos. Seguindo o perfil adotado por André Antoine, Stanislavski defendia a realidade da cena, com comportamentos inspirados na vida real. Antoine não expressou de maneira clara a forma como o ator deveria compor seus personagens, de forma que Stanislavski criou uma técnica que sugere que o ator entre em contato com seus próprios sentimentos, a fim de inspirar seus personagens, de modo que esses possam ter vida própria. Stanislavski, assim como Antoine, foi duramente criticado por Brecht, que achava imprescindível a emoção, mas sem que isso servisse de desculpa para causar ilusão no público. Stanislavski defendia a ilusão do espectador, argumentando que os efeitos cênicos causam interação com a platéia, deixando-a mais envolvida pela esfera mágica da peça teatral. Konstantin Stanislavski defendia a interação com público de uma maneira muito prática: para ele, o público tem que sentir as mesmas emoções que o personagem sente, de forma que, para isso acontecer, é necessário o perfeito entrosamento entre todos os elementos que constituem uma peça teatral. Para o teórico, esse entrosamento no palco causa no espectador a ilusão de que o contexto abordado no palco é real, o que, segundo Stanislavski, motiva o público a acompanhar o espetáculo. Para o teórico, o público só pode sentir-se interessado pelo espetáculo se as mensagens emitidas pelos atores forem de grande interesse para quem assiste, sendo que, para isso, há uma necessidade imprescindível de que o espectador se identifique com as emoções dos personagens. Para que o público possa se identificar com o personagem apresentado no palco, cabe ao ator a transfiguração, ou seja, a personificação total no palco, de forma que o ator deve abrir mão de sua própria personalidade, de suas próprias angústias e sentimentos particulares, emprestando o corpo para o “espírito do personagem”, para que esse possa viver uma vida própria, dentro de um espaço físico relativo à sua subjetividade. Para isso ocorrer sem problemas, o ator deve despir-se de seus preconceitos para com o personagem, no sentido de não taxá-lo disso ou daquilo, de não criticá-lo, não supervalorizá-lo, tampouco subjugá-lo, afinal, o ator representa um personagem com características próprias, com sentimentos próprios e uma história própria, como qualquer personagem da vida real. No momento da transfiguração (o que Aristóteles chamou de catarse), o ator não pode se distrair nem realizar atos que não condizem com o personagem, pois a dispersão faz com que o intérprete tenha uma atuação que transmite falsidade para o público.

sábado, 7 de abril de 2007

Persona

"O inútil sonho de ser
Não parecer, mas ser
Estar alerta em todos os momentos
A luta: o que você é com os outros e o que você realmente é
Um sentimento de vertigem e a constante fome de finalmente ser exposta
Ser vista por dentro, cortada, até mesmo eliminada
Você pode se recusar a se mover
E ficar em silêncio
Então, pelo menos não está mentindo
Você pode se fechar, se fechar para o mundo
Então não tem que interpretar papéis, fazer caras, gestos falsos
Acreditaria que sim
Mas a realidade é diabólica
Seu esconderijo não é à prova d'água
A vida engana em todos os aspectos
Você é forçada a reagir"

Do filme Persona
de Ingmar Bergman